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sexta-feira, 9 de julho de 2021

Despedida

a sexta feira da paixão é a data da morte simbólica para os cristãos. A morte simbólica, para quem crê no subjetivo da vida, é o fim de ciclo, a despedida dolorida e necessária, o inescapável do nosso destino. Nesse ano, cheio de simbolismo por si só, minha sexta feira da paixão calhou de ser o dia em que me despeço de uma parte tão importante de mim.

Eu passei anos construindo essa versão de mim, a advogada, a jurista, a mulher firme que busca justiça social e formal. Aquela que luta contra a desigualdade, que determina lados, escolhe o seu e luta com flores, poesias, unhas e dentes. Foram anos achando que o meu significado era esse, só esse. Eu só seria eu se fosse firme, só seria eu se tivesse lado e lutasse por ele, só seria eu enquanto estivesse engajada - e o direito era o maior dever deles. Não por preciosidade que houvesse de ter pela justiça, mas por ser o caminho esperado, o caminho trilhável, o justo dos justos. Era o meu caminho porque precisava ser, porque era meu destino. E justamente por isto, não importava a angústia que eu sentia no peito, o mal estar, o desconforto. Porque era isso. E eu me apegava aos meus companheiros, às amizades que fiz no caminho, ao conforto que era ter próximo alguém que sonhava como eu. Eu só esquecia que entre sonho e realidade existe o caminho a ser construído, e ele não se constrói sozinho.

Eu tentei, tentei muito. Tentei todos os dias muito mais do que uma vez. Tentei ignorar a ansiedade na audiência, tentei ignorar o desgosto com os processos, tentei ignorar a grande injustiça que é essa busca por justiça e sempre me via como necessária para "tentar" mudar algo. Se era ruim como estava, o mínimo que eu poderia fazer era tentar melhorar. Ainda que para isso eu estivesse sacrificando o que eu queria ser. Porque pra mim só existia o que eu deveria ser - e aqui a culpa não é do Direito, nem de ninguém, além de minha. Era a minha crença que me limitava, e eu me esforçava nisso. Construí castelos e pedestais intocáveis, fortalezas que me cercavam e impediam de ver tudo que eu poderia ser - caso me permitisse olhar além do dever. 

E elas foram ruindo, uma por uma. Eu não tinha mais ídolos, não tinha mais certeza, não tinha mais a mentira da estabilidade. Não tinha mais sonho, não tinha mais desejo. Não tinha nada que me motivasse, dia após dia, a viver o direito. A única coisa que me segurava - e segura - são meus companheiros. Mas isso não me impede mais de olhar ao redor. Quando tudo ruiu eu pude ver que meu coração batia muito forte fora dessas fortalezas, não era nada mais aqui que me movimentava. Eu queria ir pra longe. Eu choro pela morte simbólica de tudo isso, pela adolescente empolgada ocm a ideia de justiça social, pela jovem movida pela luta de mulheres, pela advogada perspicaz e atrapalhada. Eu choro por todas elas porque eu preciso me despedir. Não é isso, e não é há muito tempo. 


Eu me arrependo por não ter me ouvido na primeira vez, tenho medo de ter pedido a chance. Tenho medo de não conseguir, mas sonho sorrindo feito boba quando me pego pensando na medicina. Quando penso no cuidado, na lógica, na biologia, na natureza fazendo seu curso. Eu me emociono quando lembro esse sonho que sempre caminhou comigo e eu não tive coragem de acolher. Eu não tenho garantias, não sei se vai funcionar, não sei o que o futuro me guarda. Mas eu sei que eu preciso tentar, que eu preciso seguir. Não é aqui o meu lugar. 

  1. 2 de abril de 2021.

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