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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O Jardim

Severina, mais uma (sobre)vivente desse sertão de meu Deus tinha agora 14 anos. Mais uma jovem oprimida pelo capitalismo, pela ganância. O pai trabalhava em uma fazenda grande, a mãe sempre estava ajudando o pai da menina, no campo. A família vivia em um barraco. Sim, barraco. Barraco este que a jovem Severina divide com mais cinco irmãos e os pais.
Desde muito cedo Severina observa as mãos e pés calejados do pai que trabalha desde antes do raiar do dia. Aquele senhor pobre, que vestia velhas roupas ganhas. Um favor raro e mesquinho do seu 'sinhôzin'. Aquele pai que acordava antes do sol só pra vê-lo nascer, era isso que dizia à curiosa filha quando esta o acompanhava nas manhãs nascentes. Logo depois o pai seguia com sua enxada para o campo, ela acompanhava sua mãe nos afazeres antes que seus irmãos - todos mais novos - levantassem.
Dona Maria, mãe de Severina era uma mulher simples, que, assim como o pai da menina, gostava de apreciar os pequenos momentos que a vida nos dá. Pequenos cachos brotavam da cabeça da mulher, sua pele é morena do sol, maltratada pelos anos e pelo trabalho duro de mãe, mulher e ajudante do marido no serviço, quando possível. Rugas de expressão desenhavam o rosto de Maria. Rugas que traziam anos de luta, de vida. Na boca, faltavam-lhe alguns dentes, o que não impedia o riso espontâneo que relutava em aparecer naquele rosto, naquela mulher, naquela vida, naquele sertão.
Sertão laranja. Sertão de luta.
Severina, quando pequena andava nos arredores do seu lar sempre que seu pai se ia a trabalhar. Hoje, enquanto prepara o pouco de comida que há em sua casa para sua família ela lembra. Lembra que andava até a cerca, seus pais não a deixavam passar dali. Adiante estava a casa do patrão do seu pai. Ela não podia seguir ali, mesmo assim, às vezes, tomando muito cuidado, Severina ia. Ia só para poder espiar um pouco do que havia naquele mundo proibido 'Do outro lado da cerca'.
Um dia, Severina lembra bem, ela atreveu-se além dos juazeiros e cajazeiras. Andou até encontrar um jardim bem cuidado, com flores belíssimas, de várias cores que encheram de lágrimas os humildes olhos daquela sertaneja. O coração de Severina palpitava como nunca! "Que mundo bonito é esse!", pensou. Andou por entre os ramos de plantas baixas, tocou a grama com tanta emoção que a água ali acumulada da chuva logo misturou-se às lágrimas da menina. Ela tinha aprendido direitinho com o pai. Ver o amor em cada resquício de vida é uma arte, coisa de gente esperta, inteligente. Assim como Severina, assim como seu pai.
Severina estava deitada no chão, seu velho vestidinho, agora de um rosa claríssimo decorrente do desbotamento, estava esparramado pela grama. A menina segurava uma pequena flor na mão, de quantos em quantos a levantava e cobria o sol com ela, só para ver o contraste das cores. Até que, de repente, um rosto cobriu seu céu, falando um 'oi' simpático e curioso o menino se fez presente para a menina. Sorriu com toda boa vontade e inocência infantil, sentou-se ao lado de Severina e ajudou-a a levantar. Perguntou seu nome e nada mais. Nome só era necessário para saber como chamar a futura companheira de brincadeiras, nada além disso era importante no momento.
Severina e Joaquim - esse era o nome do garoto - passaram um ótima tarde juntos. Brincadeiras que, o menino sem irmãos e a menina que precisava ajudar os pais quase sempre, não tinham normalmente, tiveram naquele dia. Um ansiava pelo outro todos os dias que antecederam este. Uma por querer a infância que não tinha ou teria direito, o outro por querer felicidade, sorrisos, calor humano nos seus dias. Aquele foi o dia em que ambos escaparam do seu mundo. Infantil duro mundo.
Os meninos subiram em árvores, rolaram naquela verdíssima grama, esconderam-se dentre as flores, correram, correram muito, como quem corre para a felicidade. E assim foi. Ambos estavam felizes. Aquele sorriso que não saía do rosto, aquele coração disparado que não se aquietava nem depois que o corpo todo já havia se recuperado da corrida. Aquela disposição que parecia inesgotável, aquele mundo lá de fora que havia sumido, pois agora, era como se só o jardim existisse. Isso tudo era a felicidade no seu mais puro estado, transbordando do peito dos meninos.
A sertaneja e o menino disseram se encontrar ali no outro dia, logo depois do nascer da vida, do nascer do sol. E, de fato, se encontraram. Naquele, no próximo e nos outros dias que sucederam estes. O tempo passava e aquela amizade de primeiro olhar só crescia. Severina levava um pouco da sua humilde alegria que tinha em sua vida e Joaquim levava um pouco da sua disposição à amizade, sua coragem, sua falta de pressa, de compromisso.
Uma pena que os encontros durassem cada vez menos, pois cada vez mais Severina precisa ir para o campo com sua mãe ajudar seu pai. Eram tempos difíceis, este dizia, eram tempos de seca. Era preciso dar duro para conquistar o pouco que tinham, mas esse pouco já era o suficiente para uma vida feliz. Sim, uma vida feliz. A pobre família de Severina era muito feliz, aqueles corpos calejados guardavam um coração feliz, uma alma simples, mas rica. Rica em amor, em carinho, em compaixão, solidariedade, felicidade, paz. A pobre família de Severina tinha aquilo que faltava à rica família de Joaquim. Esta última era rica em ouro, mas pobre em amor, em companheirismo, solidariedade e todo o resto do qual Severina e sua família eram ricos.
Dias passaram, semanas, meses, anos passaram e aquela vontade de se ver, de escapar do mundo real que os massacrava dominava Severina, assim como a Joaquim. Cada encontro era mais belo, como se as flores, plantas e animais daquele mágico reino que pertencia apenas aos dois se dedicassem para oferecer o melhor de si àqueles reis daquele reino mágico. Até o sol parecia brilhar mais e o céu ficar mais azul. Como se o mundo todo quisesse contemplar aquele lindo encontro.
Joaquim e Severina conversavam muito, sobre tudo. Estavam sempre aprendendo um com o outro, entrelaçavam teorias científicas que Joaquim conhecia e experiência da vida que Severina tinha, assim iam tecendo aquela teia infinita de saber. Joaquim apresentou à jovem Severina o maravilhoso mundo dos livros, e esta, logo se tornou uma exímia leitora, desenvolveu o vício que o jovem Joaquim satisfazia sempre que podia pegar um livro da biblioteca da escola ou da escola e emprestá-lo à menina.
Se por terem crescidos juntos ou simplesmente porque já estava certo que seria assim antes mesmo deles nascer ninguém nunca saberá, mas o fato é que os meninos se completavam como uma só pessoa em dois corpos. O tempo ganho (ou perdido, como preferir) olhando para o céu juntos, ou ainda correndo por entre a natureza viva como antigamente, escorria cada vez mais rápido pelos dedos dos jovens. Era uma dor enorme abandonar aquele mundo mágico que criaram juntos para voltar ao mundo real. Bom mesmo seria ficar ali eternamente, era o que sempre diziam.
Até o dia que um trabalhador da fazenda passou pelo jardim a caminho dos seus afazeres e viu lá duas pessoas. Os jovens, distraídos, imersos na fantasia do seu reino não viram o homem que os espiava. Pensamentos maldosos passavam pela mente daquele homem. Não o julguem, é difícil para alguém que foi obrigado a perder a inocência tão cedo, que não teve infância, que só conhece a vida do panorama de trabalhador explorado olhar e reconhecer, entender toda aquela inocência do amor de Severina e Joaquim.
O homem, esperando alguma gratificação que sua família tanto precisava foi até seu patrão. Perguntou-lhe se este sabia que seu filho estava caindo nos encantos da filha do empregado. Contou-lhe o que viu: dois meninos deitados na grama, quase caindo na tentação da paixão inconsequente da juventude. Mesmo que não fosse isso que estivesse acontecendo quando o homem passou, foi isto que ele viu. O patrão, bravo por saber que a filha de um mero empregado estava tentando seduzir seu filho foi tirar satisfações com Joaquim. Afinal, com seu filho isso não podia acontecer! Não, com ele não! Ele iria para capital, ia se formar, conhecer uma jovem rica e casar-se. Não podia perder seu tempo com sertanejas ignorantes.
O pai de Joaquim proibiu-o de ver novamente Severina. Ao saber disso, foi como se o peito do jovem rasgasse em mil pedaços, lágrimas brotavam de seus olhos como se um oceano todo estivesse disposto a sair dali. É tanta dor. Dor que só quem já teve pode entender. Colocam uma enorme rocha no portal que conduzia Joaquim ao mundo mágico, ao seu verdadeiro mundo. E como chorava aquele menino! E como doía aquele jovem peito!
Severina também foi - brutalmente - avisada que não poderia mais se aproximar da casa do senhor da fazenda, seu espaço estava restrito à porteira, no máximo. Enclausurada, presa em um chiqueiro como os outros bichos da fazenda, esse seria o destino de Severina? Privada do seu mundo, privada do seu amor.
Disseram que isso era surreal, não podia acontecer. Amor assim não existia, era tudo invenção da juventude. Eles eram de mundos diferentes, não podiam manter nenhuma relação próxima. Mas que mundo meu Deus! O mundo é um só! Aliás, pensando bem, eles eram de mundos diferentes. Diferente daquele que o resto das pessoas vive, eles eram de um mundo só deles, 'O Mundo do Jardim'.
Severina e Joaquim imersos agora no mar da solidão. Os dias voltaram à sua habitual descoloração. Mesmo que o tempo passasse e a vida não os castigasse, era ruim. Tudo era tão simplório, normal. Faltava magia, faltava a cor dos olhos de um na vida do outro.
Mas espere, para bons sonhadores a magia do sonho nunca acaba.
Severina preparava-se para dormir em mais uma exaustiva sexta feira de trabalho. Acomodada no colchão com mais suas irmãs ela não conseguir fechar os olhos, mesmo tão cansada. Joaquim continuava na sua mente. Por quê? Por que duas pessoas devem ser separadas e classificadas quanto ao seu dinheiro? A vida é mais que isso. Pessoas são mais que números. O mundo é mais que várias classes sociais.
Até que ela ouviu um 'psiu' do lado de fora da sua janela. Deve ser um bicho, pensou. Nada disso, o bicho tinha nome e era um que ela conhecia bem. Joaquim fazia 'psiu' várias e incessantes vezes do lado de fora da casa de Severina. Ele não podia aguentar aquele aperto todo no peito, tinha que ir ver sua rainha, e foi. Afinal, rei e rainha de um mundo mágico sempre governam melhor juntos.
Severina finalmente olhou pela janela, e quando se deparou com aquele rostinho com medo e animado ao mesmo tempo, seus olhos encheram-se de lágrimas, tão feliz estava a menina, todo cansaço havia se dissipado. Feliz como quando chegou ao Jardim pela primeira vez. O menino, por sua vez, sorriu um sorriso tão grande que cabia o mundo todo, os mundos, o dele o de Severina, juntos. O mundo que eles criaram. O sorriso de Joaquim tinha o brilho de mil sóis e lembrava muito aquele primeiro que deu à Severina.
Ela saiu de casa, eles se encontraram. Correram pros braços um do outro como corriam em busca da felicidade quando crianças. Correram em busca do amor, da felicidade de um que repousava tranquilamente nos braços do outro. Deram num abraço tão apertado quando o coração deles e respiraram enfim aliviados o ar preso no pulmão todo esse tempo de afastamento. Afastaram um pouco os rostos dos ombros um do outro, não ousavam soltarem-se, não depois de tudo. Olharam se nos olhos, mergulharam, penetraram a alma um do outro, se encontraram. Uniram-se pelos olhares. Misturaram-se, tornaram-se apenas um por meio dos olhares. Os sorridentes lábios de Joaquim se aproximaram dos rosados lábios de Severina. Levemente, se tocaram. E um olhar. E o leve toque dos lábios. E mais um olhar. Enfim, o toque completo dos lábios. Portas das almas, eles se tocaram. Durante algum tempo os meninos repartiram o mesmo hálito, sobreviveram, respiração no mesmo compasso. Uniram suas almas já laçadas. E um abraço. E mais um beijo. E um carinho. E palavras doces. E felicidade demais para poder distinguir se era real ou um sonho.
Ficaram juntos como antes até o amanhecer. Viram o espetáculo do sol juntos. Aproveitaram ao máximo o tempo que tinham, até que era hora de despedir-se. Eles precisavam voltar ao mundo das outras pessoas. Agora, a dor da incerteza de um novo encontro corroía-os. O amor que crescia. O coração que só descansava perto do coração do outro.
Mas Severina e Joaquim eram corajosos. Como verdadeiras majestades eles resolveram que continuariam a verem-se. Que não importava que naquele tal mundo ‘normal’ eles eram de mundos diferentes. Pois na verdade eles pertenciam a outro mundo, um bem melhor. O mundo do Jardim. O mundo do Amor. Amor verdadeiro. Amor que mistura todos os tipos de amor, derivado do Amor primeiro, do Amor do Pai. Pois era aquilo que um era na vida do outro, a certeza de que Deus existe. Que o Amor vence tudo. Pode tudo. é tudo.
E hoje, a relva que brotou naquele sertão é a relva do mundo deles. A cor daquele sertão é a cor do amor deles. E todos os dias dois mundos fundem-se em um só. Todos os dias Severina e Joaquim encontram-se. A porteira continua lá, a divisão social também. Mas agora isso não é mais barreira, porque Severina e Joaquim fazem o amor nascer e vencer todos os dias, como a mais bela flor que insiste em nascer em pleno sertão.

domingo, 14 de agosto de 2011

Meu bichinho de estimação

Tem horas que é inevitável se perguntar se as amizades têm prazo de validade. É ruim depois saber que não dá pra saber bem se elas tâm ou não. Pois se elas têm, queria eu que não tivessem!
Fui arrancada do meu berço, do meu lugar. Jogada num mundo novo e tive que me adaptar. Seguir a vida longe da minha vida, não é fácil. Cada mágoa aqui só me lembra o quanto era feliz lá. Todo o amor que tinha, tudo que tinha inda por fazer...
Mas quando a vida move-se ela não espera que você termine os afazeres que planejou. Ela te leva ainda com o pó a ser tirado dos móveis, o pratos a serem limpos e a porta a ser trancada. Ela te leva e só te resta ir, sem contradizer.
Pior ainda é quando você vê sua vida antiga seguindo sem você. Sua saudade aumenta e a vontade de estar lá, felicitando a vitória dos amigos, ajudando nas labutas cotidianas, ou apenas vivendo normalmente é tão grande que chega a faltar o ar. Tento não me entregar, viver aqui pensando o mínino que consigo no passado. É duro, mas é preciso. Se Deus quis assim, só posso confiar nEle e seguir. E assim eu vou.
Mesmo assim, ainda é difícil viver com aquele bichinho que mordisca meu peito de quanto em quanto. Aquele bichinho que nomeei de Saudade. Ele mordisca, me machuca, mas também brinca, me faz rir, chorar. Mas Saudade na verdade só me faz amar. Amar um passado que luto para deixar presente. Amar a esperança de um futuro juntos. Me amar por saber quanto amor do mundo me é destinado por aqueles que, agora, encontram-se longe.
Saudade se faz presente à cada foto que saiu tremida porque o riso não pôde ser contido. À cada lembrança, cada sombra do que antes enchia meus dias.
Saudade é ser visitada em sonhos, na alma, quando o corpo não se pode fazer presente. Saudade é um amor tão grande, tão grande, mas tão grande que só quem tem uma Saudade como a minha sabe ter.