Olá

Bem vindo a partes de mim



quarta-feira, 19 de outubro de 2016

escorreu

a última gota de suor descia por cima da sobrancelha. Eu limpei o rosto com cuidado, depois passei a mão na blusa, já sem tanto cuidado assim. Olhei ao redor, peguei com a mão já seca, mas ainda úmida, o parapeito da janela que me apontava o horizonte lá fora. Era aproximadamente meio dia, mas o sol não castiga essas terras como castiga as minhas, lá de onde venho, o sol a esta altura é inconfundível. Aqui, talvez também pelas árvores, ou pelo canto dos pássaros que  - não necessariamente aliviam o calor, mas distraem o coração -, o sol parece muito mais ameno, e o dia ter ar de quem esta ainda (e sempre) nascendo.

A terra batida na minha terra gostamos de chamar por terreiro, e aí cada um cuida do seu, já é a frase seguinte no ditado popular. Os becos estreitos desse terreiro me lembram os becos estreitos das casas da infância, o cheiro de goiaba, ainda que por aqui não haja nenhum pé destes, as galinhas correndo, a voz que chama da cozinha. Os becos estreitos dessa casa me lembram as finas veredas do sertão, com seus mistérios e descaminhos, que ainda são poucos se comparados às veredas do nosso coração, cheio de suas paixões e dores.

O rio do tempo invadiu a casa, escorreu tal qual meu suor, molhando o piso barulhento de madeira. Nos colocando para nadar, inundando tudo que é firme e criando redemoinhos no centro de cada uma.

Dançamos no ritmo do ar, e o sopro que sai de cada uma preenche o ambiente até tocar nas outras, até formar a doce sinfonia que é dádiva de não estar só.

É o sentir-se em casa, é onde a alma lava os pés. Respirar o verde, sentir o corpo, abraçar o chão. É para aguentar a existência, Arte, quando resiste em nós, qual passarinho adormecido que desperta, quando levanta já é cantando (e batendo asa!).



escorreu
a última gota de suor
do meu corpo

escorreu
a última lágrima
do nosso rio
do tempo

escorri
pelas paredes.
o corpo pesado e frio
parecia outro
de tão delicado que caía ao chão

a morte as vezes nos faz leve
demais

não havia motivo para alarde
nem gritaria, ou choros
não se acendeu uma vela sequer

eu fui caindo e morrendo aos seus pés
silenciosa como uma virgem
juntando meu choro miúdo
ao som ambiente
para que você nem mesmo
ouvisse minha voz
afinal
ela nunca esteve aqui

não tem pra quê isso
o que morreu a boca do passado já engoliu
e regurgitou
e engoliu de novo.
Não se pode matar o que esta morto.

Por isso que
dessa vez,só escorreu
escorreu meu suor pelo chão de madeira
escorreu minha lágrima lavando teu pé
escorreu a gota que fecha a torneira do tempo

doeu mais uma vez
porque sempre dói

mas a morte, ainda bem!
só só se morre uma vez



quarta-feira, 12 de outubro de 2016

o amor escorre
o amor, ele
t r a n s b o r d a

nunca coube
não cabe em vaso de planta
nem em mala de viagens
o amor, não cabe no caminhão
de mudanças
não cabe nas gavetas do armário antigo
nem mesmo na cristaleira de vovó, que eu
devia ter tanto cuidado

o amor esbarrota tudo que é canto
não cabe nos álbuns, por vezes
extrapola até nas fotografias

o amor não enquadra
não serve para ser
l i m i t a d o

não cabe em mim
não cabe em você.
não cabe nem mesmo
no infinito entre eu-você
que se desenha em nossas bocas

o amor ainda saberá ser maior
que todas as fantasias
mais variado que a aquarela
que pintei entre seus seios por volta de
março
ou fevereiro, tanto faz
o amor também não cabe no calendário

porque é amor
e ele parece as gotas de tinta que espalham no pincel

o amor ele
t r a n s b o r d a
os potinhos de água de nossos corações
ele e x t r a v a z a os caminhos da vida
o amor, ele
e t e r n i z a

quando não cabendo,
nem mesmo no tempo
ele decide ser as cores
do mundo



segunda-feira, 10 de outubro de 2016

eu acreditava que não iria escrever sobre você.
acreditava que nessa mentira, mesmo sabendo
o quão minha existência é condicionada a isso

eu preferi acreditar que nunca haveria um verso sequer
mesmo com os dias passando e as horas se alongando
mesmo com o carinho crescendo e a vontade também

mas acontece que os versos não ditos ainda arrumam jeito de existir
em alguma realidade suspensa entre os encontros de tempo e espaço
penduram-se nas finas linhas do acaso, escondendo-se do propósito

elas arrumam um jeito de cravar os dentes na gente
as palavras que nunca disse nem chegarei a dizer
flutuarão por ai, hão de achar caminho junto a ti

porque eu não posso dizer o que quero dizer
não posso tornar real o que não pode ser

é por isso que não haverá escrita sobre você.
mas haverá sobre uma poesia em que tive
particular cuidado com a métrica

durante a madrugada,
duas pessoas cruzarão a salgado filho
segurando o vinho em uma das mãos
e tudo o que não se descreve na outra

cultivarei o hábito de fumar cigarros
não por mim, nem pelo estresse
unicamente para dividi-los
no estacionamento vazio
enquanto escrevo
poemas mentais

Ainda, lerei mulheres
pesquisarei sobre suas vidas
e pensarei como seria amá-las
regando a bruta flor da juventude
colhendo a flor mais bruta ainda
que é a dos quereres insaciáveis


terça-feira, 4 de outubro de 2016

je suis le temps
a vida vai em círculos 
e eu sou vó parar quando tudo acabar