Olá

Bem vindo a partes de mim



quinta-feira, 11 de novembro de 2021

 era eu que estava lá o tempo todo. Era eu a assombração que se escondia no escuro, por trás daquela porta, no vazio imenso que cabe do lado de fora.

Foi apenas uma decisão, apenas um sim. Foi nesse único momento belo e sublime, não mais que dois segundos; foi ele que abriu a porteira de tudo haveria de vir. 

Dizer sim para mim mesma foi mais poderoso do que atravessar o fogo. Foi mais potente do que todas as outras vezes em que meus soldados foram chamados para defender a fortaleza que eu construí. Dizer sim para mim foi gritar a todos os ventos e tempestades, aceitar a água da chuva que cai por cima do meu corpo e abençoa tudo que há de se criar nesse solo. Foi viver e aceitar ser vivida, me acolher e aceitar ser acolhida, me enxergar e ser vista. 

Sou eu que moro aqui, sou eu que encho de poesia esta casa. A luz foi invadindo o ambiente conforme a fresta ia se alargando, a poeira reluzia feito brilho no céu, era o cheiro de recomeço se borbulhando pelo ar. Sou eu que habito em mim, com minha força e minha potência, meu amor e minhas flores, minha doçura e firmeza. Sou eu e meus monstros, sou eu e minhas dádivas. E tudo que há é cheio de mim, do meu jeito, do meu gosto, com o meu olhar.

Como é bom estar de volta em casa. 


Final de 2021.

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

 naufragamos no não dito

o silêncio começou como uma torneira vazando durante a noite
inofensiva, quase imperceptível
aos poucos inundou a pia, ultrapassou a bancada 
e começou a correr pelo chão do banheiro, cruzando a linha até o nosso quarto
o silêncio foi chegando devagar, amiúde
aos poucos a água tomou nossos pés, tornozelos e canelas
foi subindo gentil e galante, como uma serpente 
enrolou nossos quadris, nossos peitos e nossos ombros
quando chegou ao nosso queixo, seu carinho de vai e vem era aconchegante
mas ao redor tudo flutuava, inclusive nós
naufragamos em nosso silêncio
em todas as palavras não ditas
elas foram se acumulando atrás dos móveis, dentro dos armários, nos bolsos das calças
elas foram ocupando o pé da cama, debaixo do cobertor
entraram entre nossos abraços, no espaço vazio dentro do carro
o que engolimos e nunca jogamos ao mundo, na realidade, sempre esteve nele
naufragamos em nosso silêncio.

me pergunto se você percebeu a água se acumulando
me pergunto se enlouqueci
a verdade é que não. não enlouqueci. 
eu só consigo enxergar o silêncio
mas decidi ao menos uma coisa
eu não vou me tornar alguém que não admiro por você. 
não farei isso, não me negarei mais uma vez. 
não engolirei minhas palavras e não engasgarei no cuspe do meu silêncio.
eu sou o que sou, sou o que posso ser
não aceito naufragar em silêncio

sexta-feira, 9 de julho de 2021

andam dizendo por aí




eu escuto o sussurro desses olhares que me atravessam
cortam mais que peixeira afiada mas são silenciosos como uma beata
talvez seja pela escolha consciente de acreditar em histórias fantasiosas inventadas por um homem com medo de uma mulher
- ou se escondendo atrás dela para não ver o tamanho de suas responsabilidades

Não que Deus tenha nada a ver com isso, a escolha de enfeitar a história para os homens foi deles mesmos.
E aqui também o enfeite pesa mais que a história
Apesar de que esta também sofreu com o tempo e o repasses de boca a boca
se tornou cada vez mais frágil, infiel e escandalosa
mas sendo ainda a - confortável - história de um homem mediano vitimizado por uma mulher
cruel, é claro

Afinal, como poderia ser uma mulher consciente e honesta de suas escolhas e confusões sem ser cruel?
Não existe aporte em nosso vocabulário para isso.
T o d a mulher que escolhe seu destino é cruel. Como não seria? Todo mundo sabe que a mulher deve ficar no recinto até o homem decidir sair (apagando a luz, óbvio).

São as mulheres que devem digerir, acolher e amortizar todos os sentimentos.
São as mulheres que fazem as escolhas - se der errado, se der certo foram os outros.
São as mulheres que são ingratas, nada que tenham feito é visto, de qualquer forma. Pois bem, não há do que agradecê-las.

E são as mulheres que escolhem sua felicidade as mais cruéis. Se o pacto da mediocridade era ser infeliz junto ela não pode rompê-lo, não pode condená-lo. E mesmo após ficar tantas e tantas vezes, se dedicando de corpo, alma e coração, não houver mais nada a ser construído, ainda é ela que tem que varrer os destroços.

Pois a lua em escorpião não nega: escolho a vingança. Escolho a vingança de ser feliz todos os dias, amanhecer sorrindo e permanecer apenas onde posso caber sendo do tamanho de minha alma. Escolho a vingança quase desenfreada de ser uma mulher gigante, sem medo de crescer para que os outros não se sintam ofendidos. Sou segura de meu sol, e o estampo no peito. No peito, na bunda, nas coxas, no cabelos. Pois se tem algo que eu reaproveito dessa narrativa capenga e frouxa é apenas isso: que sou uma grande gostosa.

05 de agosto de 2020

 meus dedos caminham pelo seu corpo

e sinto o batuque surdo do teu peito, reverberando dentro de mim

pernas entrelaçadas, suspiramos no mesmo ritmo

eu seria capaz de te devorar apenas com meu olhar

mas escolho fazê-lo com minha boca, meus dedos, minhas pernas

porque o sabor do amor quase sempre fica melhor se apreciado com tempo


27 de outubro de 2020


 eu sempre tive medo da noite. Lembro a primeira vez que encarei esse sentimento, olhava pelas frestas da janela o céu cheio de estrelas e a estrava vazia. Era o silêncio da noite que me doía, sempre foi. Talvez por esse mesmo motivo até os dias de hoje eu não consiga dormir no silêncio.

"A noite existe para os homens descasarem" foi o que Quiquica me disse. Então mesmo sem entender muito bem, eu aceitei sua importância. Mas a verdade é que nós fugimos da noite do mesmo modo que fugimos do silêncio, porque fugimos de nós mesmos. E não há descanso enquanto isso.

A noite do meu coração esfria e fecha as cortinas para qualquer raio de sol. é quando aceito seu peso, sua necessidade, que fecho os olhos pro mundo e abro pra mim. ainda tenho medo de todas as vozes que vão saltar no silêncio, ainda tenho medo da escuridão e da noite. mas ela também é parte do dia.

27 de outubro de 2020.

 o divino é parte de nós. 


Acredito que os encontros não são em vão, nos aproximamos e nos conectamos com nossos complementares. O aprendizado vem, a gente só são sabe como.

Se há ritmos mais acelerados em nós mesmos, a vida se encarrega de nos direcionar para a calmaria - um jeito manso, o riso sem pressa e a leveza do dia a dia. Se o mar é revolto, algum farol nos convida a conhecer o porto seguro - pessoas com os pés bem fincados no chão, seguros de si e do mundo ao redor.

Mas se há verdade grande é que a vida não dá ponto sem nó, principalmente porque o bordado insiste em não se finalizar. O amanhã se desenha devagarinho, num grafite ainda claro, enquanto hoje nós cansamos os punhos fazendo e refazendo nó francês. Mas a vida, o Divino, guia nossas mãos e nos ajuda a fazer esse bordado tão bonito.

Agradeço, porque sei que existe muito amor de Deus em cada minuto do meu dia, nos sonhos futuros e, principalmente, nas bençãos que nos cercam. Acredito que Deus demonstra seu cuidado e amor colocando em nosso caminho pessoas de luz, parceiros que se tornam família, amizades que se tornam base firme em tempos de tempestade. 

11 de novembro de 2020.

Despedida

a sexta feira da paixão é a data da morte simbólica para os cristãos. A morte simbólica, para quem crê no subjetivo da vida, é o fim de ciclo, a despedida dolorida e necessária, o inescapável do nosso destino. Nesse ano, cheio de simbolismo por si só, minha sexta feira da paixão calhou de ser o dia em que me despeço de uma parte tão importante de mim.

Eu passei anos construindo essa versão de mim, a advogada, a jurista, a mulher firme que busca justiça social e formal. Aquela que luta contra a desigualdade, que determina lados, escolhe o seu e luta com flores, poesias, unhas e dentes. Foram anos achando que o meu significado era esse, só esse. Eu só seria eu se fosse firme, só seria eu se tivesse lado e lutasse por ele, só seria eu enquanto estivesse engajada - e o direito era o maior dever deles. Não por preciosidade que houvesse de ter pela justiça, mas por ser o caminho esperado, o caminho trilhável, o justo dos justos. Era o meu caminho porque precisava ser, porque era meu destino. E justamente por isto, não importava a angústia que eu sentia no peito, o mal estar, o desconforto. Porque era isso. E eu me apegava aos meus companheiros, às amizades que fiz no caminho, ao conforto que era ter próximo alguém que sonhava como eu. Eu só esquecia que entre sonho e realidade existe o caminho a ser construído, e ele não se constrói sozinho.

Eu tentei, tentei muito. Tentei todos os dias muito mais do que uma vez. Tentei ignorar a ansiedade na audiência, tentei ignorar o desgosto com os processos, tentei ignorar a grande injustiça que é essa busca por justiça e sempre me via como necessária para "tentar" mudar algo. Se era ruim como estava, o mínimo que eu poderia fazer era tentar melhorar. Ainda que para isso eu estivesse sacrificando o que eu queria ser. Porque pra mim só existia o que eu deveria ser - e aqui a culpa não é do Direito, nem de ninguém, além de minha. Era a minha crença que me limitava, e eu me esforçava nisso. Construí castelos e pedestais intocáveis, fortalezas que me cercavam e impediam de ver tudo que eu poderia ser - caso me permitisse olhar além do dever. 

E elas foram ruindo, uma por uma. Eu não tinha mais ídolos, não tinha mais certeza, não tinha mais a mentira da estabilidade. Não tinha mais sonho, não tinha mais desejo. Não tinha nada que me motivasse, dia após dia, a viver o direito. A única coisa que me segurava - e segura - são meus companheiros. Mas isso não me impede mais de olhar ao redor. Quando tudo ruiu eu pude ver que meu coração batia muito forte fora dessas fortalezas, não era nada mais aqui que me movimentava. Eu queria ir pra longe. Eu choro pela morte simbólica de tudo isso, pela adolescente empolgada ocm a ideia de justiça social, pela jovem movida pela luta de mulheres, pela advogada perspicaz e atrapalhada. Eu choro por todas elas porque eu preciso me despedir. Não é isso, e não é há muito tempo. 


Eu me arrependo por não ter me ouvido na primeira vez, tenho medo de ter pedido a chance. Tenho medo de não conseguir, mas sonho sorrindo feito boba quando me pego pensando na medicina. Quando penso no cuidado, na lógica, na biologia, na natureza fazendo seu curso. Eu me emociono quando lembro esse sonho que sempre caminhou comigo e eu não tive coragem de acolher. Eu não tenho garantias, não sei se vai funcionar, não sei o que o futuro me guarda. Mas eu sei que eu preciso tentar, que eu preciso seguir. Não é aqui o meu lugar. 

  1. 2 de abril de 2021.