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quarta-feira, 29 de setembro de 2021

 naufragamos no não dito

o silêncio começou como uma torneira vazando durante a noite
inofensiva, quase imperceptível
aos poucos inundou a pia, ultrapassou a bancada 
e começou a correr pelo chão do banheiro, cruzando a linha até o nosso quarto
o silêncio foi chegando devagar, amiúde
aos poucos a água tomou nossos pés, tornozelos e canelas
foi subindo gentil e galante, como uma serpente 
enrolou nossos quadris, nossos peitos e nossos ombros
quando chegou ao nosso queixo, seu carinho de vai e vem era aconchegante
mas ao redor tudo flutuava, inclusive nós
naufragamos em nosso silêncio
em todas as palavras não ditas
elas foram se acumulando atrás dos móveis, dentro dos armários, nos bolsos das calças
elas foram ocupando o pé da cama, debaixo do cobertor
entraram entre nossos abraços, no espaço vazio dentro do carro
o que engolimos e nunca jogamos ao mundo, na realidade, sempre esteve nele
naufragamos em nosso silêncio.

me pergunto se você percebeu a água se acumulando
me pergunto se enlouqueci
a verdade é que não. não enlouqueci. 
eu só consigo enxergar o silêncio
mas decidi ao menos uma coisa
eu não vou me tornar alguém que não admiro por você. 
não farei isso, não me negarei mais uma vez. 
não engolirei minhas palavras e não engasgarei no cuspe do meu silêncio.
eu sou o que sou, sou o que posso ser
não aceito naufragar em silêncio